Uma sala de aula pode ser referida como um sistema adaptativo complexo* “onde muitos atores estão constantemente se adaptando uns aos outros e o futuro emergente é muito difícil de prever” (1). Este tipo de sistema difere de um sistema simples, pois este último tem um número limitado de componentes, poucas interações e é decomponível, como argumenta o matemático John Casti (2). A sala de aula pode ser vista como um sistema complexo porque os componentes do sistema – o professor e os alunos individuais – podem ter objetivos e motivações diferentes, porém, cada indivíduo está altamente ligado com o outro e as decisões e ações de um podem afetar as decisões e ações dos outros.(3) Além disso, o conhecimento, os insights compartilhados e a criatividade emergente dificilmente podem ser previstos no início da aula.

A emergência é um tema central da teoria da complexidade. Isso implica que “se um sistema alcança um grau significativo de complexidade, ou massa crítica, ocorre a emergência de novas propriedades e comportamentos não contidos na essência dos seus elementos constitutivos, e as novas propriedades e comportamentos não podem ser previstos a partir do conhecimento das condições iniciais”(4). Em outras palavras, uma ligeira alteração nas condições iniciais, ou uma ligeira alteração no comportamento de um agente, pode mudar a direção do sistema maior. O sistema mantém-se adaptando-se às novas situações e aprendendo com as interações emergentes.

Os pesquisadores Brent Davis e Elaine Simmt Davis (5) – em suas pesquisas sobre os paralelos existentes entre a ciência da complexidade e as teorias do saber – sugerem cinco características ou condições – necessárias mas não suficientes – que devem ser cumpridas para que os sistemas mantenham a capacidade de se adaptar e aprender:

  • diversidade interna
  • redundância
  • controle descentralizado
  • aleatoriedade organizada
  • interações entre vizinhos

A diversidade interna refere-se à ideia de que as partes ou membros de um sistema têm diferentes capacidades. Quando há um alto nível de diversidade, existem mais oportunidades para um sistema desenvolver respostas novas e criativas para situações diversas. Na sala de aula, a diversidade interna está ligada a um leque de possíveis inovações e, consequentemente, a uma gama de experiências e competências dos agentes. Num certo sentido, a diversidade interna representa as respostas possíveis às circunstâncias emergentes e, assim, a sua qualidade assegura a sobrevivência do sistema.

podemos usar princípios da sensibilidade complexa, tais como a diversidade interna, redundância e o controle descentralizado, para organizar a sala de aula de uma forma que suporte a emergência de diferentes aspectos da criatividade

A redundância é uma característica dos sistemas biológicos. A natureza produz muitos mais organismos que o necessário para garantir que uma quantidade suficiente de organismos sobreviva. Davis e Simmt sugerem que vocabulários e experiências compartilhadas são exemplos de redundância na sala de aula. A redundância também refere-se às semelhanças que permitem que o sistema seja capaz de lidar com o estresse e que os membros possam compensar as falhas dos outros.

A diversidade interna e a redundância também estão relacionadas a estudos que investigam a criatividade dos grupos humanos. Por exemplo, uma situação em que diversos indivíduos se reúnem para resolver um problema (por exemplo, no local de trabalho) pode começar com o pensamento divergente, mas, eventualmente, as idéias devem convergir para resolver o problema em questão. Se por um lado, as diferentes bases de conhecimento de um grupo diversificado podem fornecer diferentes perspectivas para apreciação. Por outro, a diversidade pode ser tão grande a ponto de prejudicar o esforço dos indivíduos para entender as ideias e visões diferentes a fim de se chegar a uma solução.

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Quando vemos a sala de aula como um sistema adaptativo complexo, o controle descentralizado permite que os alunos participem das decisões sobre o que é e o que não é aceitável.

Sistemas complexos crescem e se desenvolvem dentro de limites, mas por processos aleatórios – ou seja, eles exibem aleatoriedade organizada. Em situações de ensino que se poderia pensar sobre aleatoriedade organizada centrando-se na ideia de restrições. Dentro dos limites de tarefas específicas, os alunos podem responder e reagir com vários graus de liberdade. Pois, mesmo que os sistema complexo tenham seus limites e restrições, as possibilidades dentro desses limites são ricas e numerosas.

A contribuição da teoria da complexidade para o estudo da criatividade em sala de aula não diz respeito apenas à visualização da sala de aula como um sistema complexo, mas também à constatação de que o conhecimento e a criatividade são processos emergentes, como também à concepção do conhecimento e possivelmente da criatividade, como distribuídos

Interações entre vizinhos, num sentido biológico, dizem respeito ao impacto do um organismo em outro e o efeito de tais interações sobre o desenvolvimento e o comportamento. Na sala de aula, as interações entre vizinhos referem-se às ideias ou insights que interagem uns com os outros.

Claro, é demasiado simplista afirmar que qualquer uma única característica de um sistema complexo é responsável por um aspecto particular da criatividade. Na verdade, a própria idéia de decomposição do sistema em suas partes nega um dos princípios básicos da teoria da complexidade – que o todo é maior que a soma de suas partes. No entanto, reconhecer a sala de aula como um sistema complexo não significa ignorar as características do sistema. Em vez disso, podemos usar princípios da complexidade, tais como a diversidade interna, redundância e o controle descentralizado, para organizar a sala de aula de uma forma que suporte a emergência de diferentes aspectos da criatividade. A contribuição da teoria da complexidade para o estudo da criatividade em sala de aula não diz respeito apenas à visualização da sala de aula como um sistema complexo, mas também à constatação de que o conhecimento e a criatividade são processos emergentes, como também à concepção do conhecimento e possivelmente da criatividade, como distribuídos.

Os professores devem estar cientes de que o fornecimento de tarefas que podem ocasionar a criatividade é apenas um passo no sentido de promover a criatividade. Criatividade não pode ser “pré fabricada”. No entanto, a criação de um ambiente de sala de aula que incentiva a diversidade, suporta interações entre os participantes e  idéias, e permite uma certa instabilidade, pode muito bem apoiar emergência da criatividade.

(*) Um sistema adaptativo complexo é um caso especial de “sistema complexo”. Complexos no sentido de que são diversos, e adaptativos porque têm a capacidade de mudar e aprender a experiência. Este sistema foi proposto por John Henry Holland no Instituto de Santa Fe.

(1) – AXELROD, R., COHEN, M. Harnessing complexity: organizational implications of a scientific frontier. The Free Press: New York, 1999.

(2) – Casti, John (1994). Complexification: Explaining a Paradoxical World Through the Science of Surprise. New York: HarperCollins.

(3) – Hurford, D. P. (2010). Secret Codes. A reading curriculum for young children. Pittsburg, KS: DEPCO, LLC.

(4) – Mason, J. & Watson, A. (2008). Mathematics as a Constructive Activity: exploiting dimensions of possible variation. In M. Carlson & C. Rasmussen (Eds.) Making the Connection: Research and Practice in Undergraduate Mathematics, Washington: MAA. p189-202.

(5) – Davis, B., & Simmt, E. (2003). Understanding learning systems: Mathematics teaching and complexity science. Journal for Research in Mathematics Education, 34, 137-167.

Hélio Teixeira - Cientista-chefe do Centro de Estudos e Pesquisa em Ciência de Dados e Inteligência Artificial do IHT - é um estudioso da aprendizagem e da criatividade humanas como processos segundo ele "participativos e sociotecnicamente distribuídos." Sua pesquisa busca entender o que ele chama de "estruturas sociotécnicas de pertencimento necessárias à emergência da aprendizagem e da criatividade nos grupos humanos, concebidos como sistemas complexos." Ele adota uma abordagem transdisciplinar, articulando saberes da ciência da complexidade, ciências da aprendizagem, psicologia social, design participativo, inteligência artificial e psicologia cognitiva. Cientista de dados especializado em modelagem de dados e inteligência artificial algorítmica. Apaixonado por Modelagem Baseada em Agentes, com predileção pelos ambientes Mesa/Python e NetLogo, e pelo desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial. É fundador do Instituto Hélio Teixeira (IHT), do ColaboraLab e do Programa Letramento Tecnológico.

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